terça-feira, 29 de outubro de 2013

Sutil

Jeitos diferentes que temos de ler a vida. Demorei para perceber a sutileza do detalhe.

Tua leitura metódica, para nas esquinas das frases, estaciona em toda palavra-obstáculo que julgas estranha. Precisas entendê-las individualmente para que tenham sentido para ti.
(Livros rabiscados)

Já eu corro os olhos pelo papel. Ignoro os limites dos significados, não me importam os rodapés e dicionários; leio com o coração, ele decide o que entender.
(Cadernos borrados)


Com um ar meio bobo, fiquei te imaginando a ler um soneto e desmembrá-lo todo à procura de sentido. Faria anotações sobre as palavras e perderia a essência.

...

Meu amor é poesia, meu bem. Não há de ser entendido - explicá-lo seria menti-lo. Se fosse simples, não seria sincero; ele é verdade: tudo que posso garantir.

Não me lês mais? Pois liberta as palavras presas a seus sentidos pequenos, sente os versos e deixa em música ele se transformar.

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

Conjugações Estranhas

Quero crer que não há nada, pois não há o que haver. Mas como não estar havendo, se presença e ausência não são sinônimos?
Há mudança? À toa, será?
A verdade é que nunca lidei bem com este verbo, só entendo ele quando substituo por existir.
Eu não sei o que há, mas sei o que existe aqui. (Acreditei que existia aí também.) E agora, o que é que há?

terça-feira, 9 de julho de 2013

...

Coisa estranha na vida é o coração e essa sua mania de ficar se agitando no peito, como se tivesse vontade própria. Ele e esta sua rebeldia, não respeita a lógica, a razão, insiste que sente e sabe das coisas. Tal qual criança teimosa que quer brincar onde não deve. Ela vai e brinca, se nada de ruim acontece, ela ri dos adultos. E brinca outras vezes; na soma geral das brincadeiras sai machucada da maioria, mas teima em pensar que vale a pena.

Talvez esse seja o problema do coração: ele não cresce. Ele é indefinido. É músculo com responsabilidade de órgão, é retratado por todos com forma diferente da que tem. Não tem como o coração não ser confuso: todos justificam, cientificamente, que as emoções estão no cérebro, mas é ele quem aperta, chora, quebra, acelera. Como ele vai acreditar que não é o responsável se é ele que dói para a tristeza e sorri para a felicidade.
Ele tem seus motivos para julgar-se no controle; ele faz as mãos suarem, as pernas tremerem, a respiração falhar, a boca gaguejar, o pensamento se perder. Ele faz todo o corpo mostrar o que ele quer como prova de que ele é incontrolável; de que ninguém manda nele por inteiro.
Nas vezes que ele dói, é certamente do desejo de toda a gente fazer com que ele seja reprimido, que pare de se apertar no peito e fique quieto deixando a vida acontecer. O problema de tudo isso é que coração proibido de chorar também não consegue sorrir, e um coração sorrindo ilumina tudo a sua volta. Ele pode fugir, resistir, sentir medo, mas nada é maior que sua vontade de sentir-se grande, pleno, vivo. E tudo começa outra vez.

Coisa estranha na vida é o coração e essa sua mania de ficar se agitando no peito, como se tivesse vontade própria.
Coisa triste na vida é não ter o privilégio de ver a felicidade transbordar o coração.

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Rosa



Hoje choveu muito e ainda chove. Mas há pouco mais de uma hora a chuva era tempestade. Com a queda na energia elétrica, o céu escuro da rua ainda era mais claro que dentro de casa. Então resolvi olhar a chuva, pois sempre teve algo que me encantou em tempestades.

Na frente de casa observei no alto da roseira uma flor solitária. Em outros galhos alguns botões ainda fechados estavam melhor protegidos; aquela rosa estava desabrochada e vulnerável. Outras duas que a antecederam poucos dias foram colhidas e decoravam a casa; estavam protegidas e seguras da instabilidade do tempo. Porém, era aquela que detinha a maior beleza. Ela conheceu o sol, com ele desabrochou e destacava-se no alto do galho. Agora, enfrentou uma tempestade muito forte. Poderia parafrasear Saint-Exupéry dizendo que ela tinha apenas os espinhos para se defender, mas estaria sendo exagerada. Ela não tem os espinhos que a maioria das rosas tem; há poucos e pequenos, que nem chegam a machucar. Como compensação, tem pétalas maiores e mais fortes, que não se deixam cair por pouco.

Enquanto eu refletia a ventania levava a rosa de um lado para o outro. E ela parecia ostentar certa alegria. Sua beleza aumentava com as gotas de chuva, que só não eram tão agressivas porque ela teve a humildade de não se lançar ao jardim, ficou abaixo da marquise que a protegia. Ela previa que do outro lado da casa, o horizonte já estava mais claro.

 

PAI,

Ajuda-me a ser como a rosa, que sabe que as tempestades duram tempo suficiente para limpar e fortalecer, nada mais que isso. Que eu possa ter a certeza de que são poucos os pingos que me atingem e que nenhum mal podem me causar se eu me mantiver sob a tua proteção.

Quero sempre desejar ser a rosa que ficou na rua, que está vivendo na instabilidade do tempo, aprendendo a confiar. Quero, como ela, ter a certeza do horizonte claro que virá e secará tudo que ficou, fazendo brotar novas sementes de luz. Quero poder me manter com o mínimo possível de espinhos, para ser forte sem ferir quem se aproximar. Mesmo que as intenções não sejam boas, que as atitudes busquem me atingir, auxilia-me para que as minhas intenções e sentimentos sejam bons e fortes como as pétalas e meus defeitos e insatisfação sejam cada vez menores, como os espinhos.

E obrigada pela rosa, por me permitir enxergá-la e aprender com ela.